12 janeiro 2012

Desabafo


Um ano de epifania sobre justiça, exclusão social e racial
Meu nome é Denise, tenho 27 anos e, depois de formar-me bacharel em Ciências Biológicas, decidi complementar minha formação com o curso de Medicina. A melhor forma de conseguir ingressar no curso seria por meio do vestibular, então me matriculei em um cursinho em fevereiro de 2010 e me inscrevi em mais de 10 vestibulares em instituições públicas no sudeste e em faculdades privadas em Minas Gerais. Logo no começo do ano veio a notícia que a UFMG adotaria o ENEM como primeira fase do processo seletivo. Percebi o desespero no rosto dos colegas, praticamente ninguém gosta do ENEM, e depois de fazê-lo descobri o motivo. A prova é cansativa, muitas questões são mal feitas, dão abertura para mais de uma resposta, os aplicadores são despreparados e o pior de tudo: para uma prova que discursa tanto sobre democracia, é um absurdo não serem permitidos recursos para as questões dúbias. Além disso, é impossível o aluno calcular quantos pontos tirou nas provas e conferir se a nota dada no site do MEC em janeiro está correta ou se há algum erro. Democrático? Justo? Eu não gostei de ser forçada a confiar no ENEM, até mesmo porque há muitos motivos racionais para não fazê-lo, como os escândalos de 2009, 2010 e 2011.
Outro problema encontrado nos vestibulares que fiz em 2010: as cotas. A UERJ separa 45% das vagas para cotistas, a UFF dá 10% a mais de pontos, a UFMG dá até 15% a mais de pontos. Em um piscar de olhos, um aluno inteligente que estudou um ano inteiro não é chamado para ingressar no curso pretendido porque outro aluno, cotista, também inteligente, mas que fez uma pontuação menor, ganha o bônus generosíssimo e passa na frente. Eu não teria problema algum com as cotas se elas fossem uma medida temporária, enquanto o governo realizasse uma reforma efetiva no ensino médio e fundamental. Acredito que o bônus generosíssimo a ser dado deve ser um aumento no salário dos professores de escola pública. Esse tipo de bônus, sim, ajudaria a resolver o problema da educação no país. Não concordo com cotas para negros, não vejo nenhum motivo racional social ou científico para uma quantidade maior de melanina em células epiteliais ser empecilho para um aluno demonstrar seu conhecimento em uma prova escrita, sem identificação pessoal, no Brasil. Isso é segregação étnica desmotivada. 
Os vestibulares realizados em 2010, com ENEM e cotas, ficaram muito distantes dos conceitos de justiça, transparência e ética, bem diferentes do que prestei em 2003 para o curso de Ciências Biológicas na UFMG, sem ENEM e sem cotas. Mas tudo tem um lado positivo. Pelo menos os meninos descobrirão mais cedo que nós não temos um governo decente e provavelmente nunca teremos. Aqui é cada um por si e Deus por todos, se é que, se ele existe, também não aderiu ao sistema de cotas.

*Emprestei um pedaço daqui para expandir uma opinião de lá do Facebook. A querida Denise Safe viveu o sofrimento que é passar por um vestibular hoje em dia e relatou nesse Desabafo.